quinta-feira, 26 de junho de 2014

Acesso Português em Brasília.

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Hipercorreção

João Bolognesi
Digo aos alunos que sou professor de Português quando estou em sala de aula, pois, fora do ambiente abençoado em que trabalho, volto a ser um cidadão à paisana, entregue às mais diferentes possibilidades de usos e interações, evitando, por causa do ofício, uma eventual intimidação ao meu interlocutor.
Enfim, por reconhecer os preconceitos que a língua cria, não sou fiscal do idioma, nem polícia da gramática. Isso não significa que meus ouvidos conseguem ficar surdos aos sons que por aqui chegam. A única diferença é que ouço tudo e todos como quem colhe matéria-prima, buscando bens preciosos. E são esses fatos linguísticos que nos levam ao tema de hoje.
O termo hipercorreção surge de um autopreconceito, já que se imagina errado o próprio jeito de falar. Por isso, procura-se imitar outro uso, tomado como correto e valorizado naquele contexto, mas, em algumas situações, perde-se o controle e nasce o desvio. A intenção de “corrigir-se”, apesar de boa, produz o erro. Também se dá o nome de hiperurbanismo a esse fenômeno, pois configura a clara intenção de imitar o uso alheio em busca de prestígio, fato comum nas várias inter-relações que a vida urbana é rica em criar.
Pensa-se usar o fino do idioma, mas o efeito é o contrário. Uma imagem para a situação é o cavaleiro que, ao tentar subir no cavalo, pega mais embalo que o necessário e cai do outro lado. Quer-se aplicar a norma culta, mas falta a destreza necessária. Há boa intenção, mas isso não basta.
Por isso, imagine uma entrevista de emprego:
- Há quanto tempo o senhor parou de estudar?
- Parei de estudar fazem 2 anos.
Tal resposta levará o entrevistador ironicamente a pensar que o candidato não devia parar de estudar, pois ainda há muito o que aprender. O verbo fazer não concorda com o tempo e isso gera um uso especial: “Parei de estudar faz 2 anos”.
O verbo haver é outro campeão em hipercorreção. “Haviam falhas no processo” ou “Se nãohouvessem tantos gols perdidos, a história do jogo seria outra” são exemplos de concordância plural em hora errada. Haver, no sentido de existir, forma uma oração sem sujeito e fica, nesse caso, no singular: “Havia falhas no processo” ou “Se não houvesse tantos gols perdidos…”.
Os casos são muitos, atingindo a todas as idades, regiões e bolsos, mas o exemplo que mais me toca (até pela proximidade regional do fenômeno) é o do caipira que, ciente de sua troca do “l” pelo “r” (como em “paster de vento” e “bicho marvado”), quer disfarçar esse uso que tanto o caracteriza. E no restaurante, em vez do garfo, pede ao garçom um “galfo”. É a hipercorreção ou hiperurbanismo em ação. Apesar das boas intenções, quer tanto ser correto que se perde o controle.
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Sexa

Luís Fernando Veríssimo
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- Pai…
- Hmmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- o quê?
- O feminino de sexo.
- Não tem.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem masculino?
- É. Quer dizer, não.  Existem dois sexos. Masculino e feminino.
- E como é feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
- O sexo pode ser masculino e feminino. A palavra “sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
- Não devia ser  “a sexa”?
- Não.
- Por que não?
- Porque não! Desculpe. Porque não. “Sexo” é sempre masculino.
- O sexo da mulher é masculino?
- É. Não! O sexo da mulher é feminino.
- E como é o feminino?
- Sexo mesmo. Igual ao do homem.
- O sexo da mulher é igual ao do homem?
- É…quer dizer… Olha aqui. Tem sexo masculino e sexo feminino, certo?
- Certo.
- São duas coisas diferentes.
- Então como é o feminino de sexo?
- É igual ao masculino.
- Mas não são diferentes?
- Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.
- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
- A palavra é masculina.
- Chega! Vai brincar, vai.
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:
- Temos que ficar de olho nesse guri…
- Por quê?
- Ele só pensa em gramática.
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O português de Portugal


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