quarta-feira, 3 de setembro de 2014

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03/09/2014 - Dissabores e aborrecimentos da vida em sociedade: a interpretação do STJ para o afastamento da configuração do dano moral indenizável
*Brunno Pandori Giancoli
 Professor de Direito do Consumidor e de Direito Civil do Damásio Educacional e FIA/USP. Secretário-Geral da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP.

A definição de corretos critérios para configuração do dano moral indenizável sempre foi um tema tormentoso tanto para a doutrina, como também para a jurisprudência. O dano indenizável, de modo geral, pode ser entendido como uma lesão, socialmente relevante, a um bem jurídico tutelado da vítima. Esta definição, inevitavelmente, nos traz uma indagação importante: quais são as lesões ou prejuízos com pertinência social que autorizam a caracterização de uma indenização?

Dessa indagação é possível concluir algo óbvio. Diante da necessidade de uma lesão com "pertinência social" existem níveis e/ou situações prejudiciais que as vítimas devem suportar sem que haja qualquer possibilidade de se pleitear uma indenização. Estas situações não indenizáveis caracterizam o que a jurisprudência do STJ (e também a doutrina) denomina de aborrecimentos ou dissabores da vida em sociedade. Essa situação jurídica exige, pois, a definição de critérios objetivos para a sua caracterização. Todavia, é justamente neste ponto que reside o problema, pois o Tribunal não possui um tratamento sistemático sobre o tema. 

Inicialmente a jurisprudência assinala que os aborrecimentos comuns do dia a dia, os meros dissabores normais e próprios do convívio social não são suficientes para originar danos morais indenizáveis. No REsp n. 403.919/MG o Ministro Cesar Asfor Rocha argumentou que "o mero dissabor não pode ser alcançado ao patamar de dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige". Esta ideia é melhor desenvolvida no REsp 1399931/MG julgado recentemente (11/02/2014). No Acórdão, o Ministro Relator Sidnei Beneti, ao tratar do atraso na entrega de "tablet" adquirido para as festividades natalinas, reconheceu o mero aborrecimento da vítima. 

Percebe-se que a situação jurídica de mero aborrecimento ou dissabor resulta de uma mágoa ou um excesso de sensibilidade por parte de quem afirma dano moral. Esses sentimentos, por serem inerentes à vida em sociedade, são insuficientes à caracterização de um dano indenizável, visto que a indenização extrapatrimonial resulta de uma real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido. O Ministro Massami Uyeda no REsp 1234549/SP, ao tratar dessa temática, expõe de maneira bastante elucidativa que a vida em sociedade traduz, infelizmente, em certas ocasiões, dissabores que, embora lamentáveis, não podem justificar a reparação civil, por dano moral. Assim, não é possível se considerar meros incômodos como ensejadores de danos morais, sendo certo que só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem estar".

Diante da dificuldade de uma caracterização objetiva entre um simples dissabor ou uma situação apta a gerar a configuração de um dano indenizável, a jurisprudência do STJ vêm, ao longo dos últimos anos, consolidando certas casuísticas específicas. No Informativo 0496 do STJ (23 de abril a 4 de maio de 2012) o REsp 827.833/MG é destacado como precedente relevante para constatar que o simples inadimplemento contratual não gera, em regra, danos morais, por caracterizar mero aborrecimento, dissabor, envolvendo controvérsia possível de surgir em qualquer relação negocial, sendo fato comum e previsível na vida social, embora não desejável. Outra casuística importante já havia sido destacada no Informativo 0485(10 a 21 de outubro de 2011), por meio do REsp 983.016/SP. No Acórdão foi consignado que em reiterados precedentes das duas Turmas da Segunda Seção do STJ, em regra, o simples travamento de porta giratória de banco constitui mero aborrecimento, de modo que, em sendo a situação adequadamente conduzida pelos vigilantes e prepostos do banco, é inidônea, por si só, para ocasionar efetivo abalo moral, não exsurgindo, por isso, o dever de indenizar.

A temática, contudo, ainda exige um esforço da doutrina e da jurisprudência mais intenso para a correta definição dos contornos da situação jurídica de mero dissabor ou aborrecimento. Percebe-se, no entanto, uma aumento das discussões envolvendo este tema no Judiciário diante de um crescimento exponencial de ações indenizatórias temerárias e infundadas, as quais criam um custo gigantesco e desnecessário ao mercado de consumo brasileiro.
 


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